Um gesto, uma doce surpresa, um presente auferido, desejado e, agradecido

Todos os dias, no regresso matinal ao meu local de trabalho, serenamente, a paragem é consumada numa pastelaria pertíssimo do local da minha chegada.

Independentemente do tempo que se faz sentir, numa das duas entradas, uma presença assídua se faz perceptível. Um cavalheiro de idade avançada portador de um rosto estigmatizado pelas intempéries da vida, trajado por um olhar profundo e, franco declina o seu semblante, cerra, momentaneamente, os olhos como que proferindo  bom dia trajando o semblante sombrio num sorriso imediato, diminuto, tímido e, inteligível a quem como eu privilegia da sua débil figurinha.

Á saída, usualmente, moedinhas são doadas na sua velhinha mão que se estende timidamente a quem as oferta.

E, hoje, o retorno matinal foi escoltado pela minha filha. Serenamente, ambas, encetamos a entrada na pastelaria. Sentadas, comodamente, a minha filha solicitou o pequeno-almoço adornado por um “folhado de salsicha” embrulhado que povoou um assombro no meu rosto mas que se trajou de condescendência, imediata. 

Terminado, encaminhamo-nos para a porta de saída. Inesperadamente a minha filha estendeu a sua mão pegou a mão do velhinho e, depositou o embrulhinho com o dito “folhado de salsicha”. Inerte, enxerguei, um sorriso deslumbrante assomando o rosto velhinho e, dos seus lábios sussurrantes“Tem a certeza, menina, que não quer comer?!”…

Sorrimos. Retomamos a nossa marcha em passo lento e, volvidos, segundos,  voltámos ambas o rosto e, olhámos o velhinho que nesse instante desnudando o embrulho um sorriso majestoso em seu rosto enaltecia-se.

Nesse instante, o lado esquerdo do meu peito trajou-se requintadamente na convicção que senti na essência que apronto, ensino e, aprazivelmente apreende quem comigo perfilha.

Ao longo do dia, assiduamente, a imagem de um sorriso especial tomava de assalto o meu pensamento e, mantinha refém em meus lábios um sorriso ternamente aprazível.


(…) em tantos anos, foi a primeira vez que observei um sorriso sumptuoso, maroto e, ansioso no seu rosto velhinho ao desnudar o embrulhinho oferecido

Comentários

  1. "Quem sai aos seus, não degenera" já me dizia a minha avó.
    Uma garnde lição, apenas com um senão:
    - Acho que o procedimento da filha foi o mais certo. Ela não deu dinheiro, deu comida.
    Há velhos que pedem e, depois, são explorados por "gentinha" que não os respeita e lhes tira o pouco que adquiram com a "pedincha".
    Talvez, fosse essa a razão do sorriso maroto: "Este como-o eu, este ninguém me tira, já cá canta"
    Bem Hajam! Por assim procederem.

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  2. Que post lindo!
    Deve ser uma sensação maravilhosa constatar que criamos gente, GENTE. Capaz de sentimentos tão nobres!
    O post é belíssimo! Parabéns!
    Gdbeijo

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  3. gosto realmente de ler o que escreve :)
    muito bom. beijinhos

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  4. Cátia,
    Obrigada pelo seu carinho.

    Um beijinho de mim para si.

    Ana

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