Quando o grotesco se enaltece …

A manhã, de hoje, proporcionou-me uma calma e, tranquilidade desejada. Uma manhã, docemente sentida e, preterida para uma pausa no trabalho e, tempo para trato de diversos assuntos pessoais.

Desloquei-me á minha entidade bancária para fazer uso do levantamento do meu livro de cheques. Minutos depois, após a apresentação da minha identificação auferi um envelope selado que abri com cuidado e, constatei os cheques solicitados. No mesmo instante, a surpresa tomou de assalto o meu rosto pela constatação na leitura do “prefixo” “Drª” precedentemente ao meu nome.

Por momentos, fiquei devoluta de palavras … ergui o rosto, e, questionei a empregada.
- Desculpe, os meus cheques possuem o prefixo “Drª” porque ?!

De olhar surpreso e, com voz delicada solicitou-me que a acompanha-se a uma das salas privadas. Acomodou-me e, pediu para aguardar uns instantes que logo retornava.

Momentos depois, a porta desabotoou-se e, um timbre de voz se fez inteligível.

- Boa tarde. A minha colega, transmitiu-me a sua surpresa. Por norma o procedimento da nossa entidade bancária é esse. Apenas e, se o cliente expressar claramente que não pretende os cheques não serão emitidos com o referido prefixo.

Sorri! …

- O seu nome?! Inquiri.

- Peço desculpa! Dr. António Marcos.

- Ah?! Dr. António Marcos, naturalmente! ...
Sorri, de novo, no entendimento que o prefixo "Dr." faria parte do seu nome, e, possivelmente dos procedimentos do banco.

- Dr. António Marcos confesso que se anteriormente estava surpresa, neste momento, sinto-me profundamente decepcionada. Apreendo que seja um procedimento do seu banco e, nessa sequência assim o seja determinado. No entanto, e, se me permite ressalvar, não recordo quando os requisitei de ter sido indagada se o preferia ou não, e, nesse pressuposto entenderá que sendo os custos pela emissão dos referidos cheques meus e, naturalmente, quem irá fazer uso deles, eu … que manifeste a minha profunda indignação quando não concordo em absoluto com o determinado procedimento. -
respondi.

Honestamente, penso que a universidade não adulterou a essência da mulher que sou e, muito menos adulterou o meu nome. A universidade não facultou a minha educação. Apenas e, só perfilhou a minha formação. A formação de cada um de nós apenas e, só caracteriza as funções para as quais cada um de nós está devidamente habilitado. E, naturalmente só neste contexto entendo que seja plausível a sua denominação.

De facto, existem doutores (médicos, advogados, economistas, directores financeiros), engenheiros, arquitectos, tradutores … no entanto, existem, similarmente, aqueles que mesmo sem grau académico de formação possuem a essência que os formam. Recordo, por exemplo, o padeiro, o carpinteiro, o canalizador, o sapateiro … Todos sem excepção são "formados" ... em doutores, arquitectos e, ou engenheiros no desempenho da sua profissão, mesmo, sem direito ao prefixo antecedente ao seu nome.

Confesso-me exausta. Cansada de privar num país em que o prefixo de “doutor” cognomina o nome e, de todas as mordomias que esse prefixo advêm.

Incomoda-me que o grau de formação seja invocado sem autorização e, muitas vezes aberradamente como o caso expresso.

Sinto-me triste de viver num país de “doutores” que subsiste de todos os que reversamente, não o são, e, lamentavelmente, tristemente nem o reconhecem nem valorizados são no trato e, na aferição.

Devolvi os referidos cheques e, saí aguardando a reedição de novos sem o prefixo que dera lugar à minha insatisfação.

Comentários

  1. Minha querida Ana, muito obrigada por estas palavras e pela partilha, já que ela é não mais do que o corajosamente manifesto de algo com o qual deparo diariamente... Quer em situações pessoais, quer em situações profissionais. O nosso país parece ditar isso do "título" e a maioria parece permitir-se isso. Somos também traídos (e aqui de forma inocente) pela própria língua portuguesa que tem os dois tipos de "tratamento". Efectivamente e infelizmente a maneira como somos tratados (quer seja no nome, quer seja em atitude) muda, mas não deveria ser assim, na medida em que a nossa verdadeira essência (ou a ausência dela) permanece lá... Por isso, prefiro o tão fantástico "you" do Inglês!! Aqui sim há igualdade de "tratamento"!

    Beijo com muito carinho
    Cristina

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  2. Cristina,
    Só quem não possuiu uma essência pura, verdadeira e, sentida é que consente um trato académico em situações desprovidas de qualquer sentido, traduzindo-se em momentos burlescos e, incompreensíveis.

    Retribuo o seu beijinho com um sentimento de ternura e, saudade alojado no lado esquerdo do meu peito.

    Ana

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  3. Oi, querida
    Que profundidade de alma em seu post que diz tanto de mim também!
    Ah! Se houvessse no mundo tantos "mestres" e "doutores" no amor... nossos relacionamentos seriam permeados de afeiçao fraterna e aí seria o Paraíso aqui na Terra...
    Mas, tenho em mim uma Graça recebida de sentir Esperança no coração de um mundo bem melhor a começar pelo internauta e gerando o perfume do Amor aos que estão mais próximos de nós... se não for possível que a inversão da ordem seja feita de imediato...
    Tenha muita paz e alegria e sempre nos brinde com presentes de posts assim tão do fundo da alma. Obrigada pela preciosa partilha...
    Abraços fraternos

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  4. Orvalho do Céu,
    Lindo, e, terno o seu comentário.

    Semelhantemente, a si, a esperança é um sentimento que assola o lado esquerdo do meu peito e, que tento incutir em todos os que me rodeiam.

    Esperança, timida e, desejada no entendimento e, respeito entre seres semelhantes de imagem e, alma.

    Um laço terno e, decorado com doces instantes de felicidade.

    Ana

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