O dia acordara dos braços da noite, cinzento

... frio e, chuvoso. O telemóvel assente por cima do livro de leitura na mesa-de-cabeceira tocara ao som de uma melodia, ininterrupta, às sete horas e meia.

Sonolenta, e, de olhos cerrados tacteei-o e, atendi-o.

Do outro lado, uma voz amargurada e, rouca questionou-me. - Posso falar contigo? O assunto é sensível e, urgente. - tinha acabado de despertar, pelo que num segundo, senti, face á urgência, a necessidade de no curto espaço possível ficar desperta e, atenta.

Iluminei o quarto e, reconfortei-me sentada no leito. - Claro (apressei-me a responder). A minha amiga Maria murmurou: - Preciso de te confessar um segredo a minha filha engravidou.

Por um breve segundo, a surpresa tomou conta de mim, e, as palavras permaneceram entorpecidas no meu pensamento. Quando finalmente, me refiz, questionei: - Como está a Maria? Como estás tu ?

A minha percepção das palavras era diminuta pela sua voz entrecortada e, em soluços. No entanto, o desespero era perfeitamente audível. O meu rosto endurecia à medida que atentamente a ouvia e, por fugazes instantes, relembrei a felicidade impressa no lado esquerdo do nosso peito na cumplicidade existente entre nós pela gravidez dos nossos primeiros filhos á dezoito anos atrás.

Suspirei … Apressadamente a minha atenção retomou na preocupação da Maria sobre a gravidez da sua adolescente filha de 13 anos de idade. A minha preocupação redobrou-se pela amizade que nutro e, sinto pela Maria e, pela sua filha.

Hoje, volvidos treze meses a Mariazinha tem quatro meses. E, hoje, subitamente relembro o sentimento que assolou o lado esquerdo do nosso peito na decisão que seria tomada em consciência e, no pressuposto que seria a resolução certa, para todos os envolvidos.

Ainda, hoje, entendo que vida é constituída de etapas e, todas elas deverão ser vividas sem atropelos.

A adolescência é provavelmente, no meu entender, a etapa mais importante na descoberta de um mundo novo. Na adolescência, damo-nos conta das alterações físicas, psíquicas e, tomamos consciência pela primeira vez do impacto da aprendizagem, do conhecimento, definimos a nossa personalidade, de acordo, com os dados que adquirimos e, assimilámos na educação que recebemos.

É sem dúvida, o tempo das primeiras dúvidas, as incertezas.

As descobertas, são pontos assentes e, a maior das vezes, é o despertar para o primeiro contacto sexual.

Todos nós compreendemos as consequências de uma gravidez prematura, e, o reflexo que dela advêm na posição futura, no ponto de vista, social, e, económico é brutal. O insucesso escolar, o abandono escolar objectivam a curto prazo, a pobreza, o desemprego, e, de facto as previsões não são animadoras.

Como mãe de uma adolescente, também, este facto, assume uma dimensão maior, evidente na minha mente e, confesso dificilmente, consigo, entender.

Não consigo compreender, hoje, em dia, que adolescentes que não estão isentas de formação, adolescentes que têm perfeito conhecimento de planeamento familiar se, arrisquem, e, desvalorizem o acto, importante, de ser “Mãe”.

A vida, proporciona-nos, momentos, para tudo …

Momentos, para sermos crianças …
Momentos, para sermos adolescentes …
Momentos, para sermos companheira (companheiros), mulher … homem …
Momentos, para sermos ... mães ... pais ...

Volvidos 13 meses a tristeza que assolou o lado esquerdo do meu peito, enfraqueceu. As dúvidas mantiveram-se e, o momento presente é por deveras esclarecedor do padecimento da Maria, sua filha e, neta Mariazinha.

Comentários

  1. E como tem acontecido isso.
    Aqui no Rio de Janeiro é o que vemos mais. Crianças grávidas e família e Estado, nada fazem para conter esse absurdo.
    Bjs.

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  2. Confesso-te querida Ana: o teu texto emocionou-me muitíssimo. Sou mãe de uma menininha (mulher, já), de 14 anos. Eis a minha maior preocupação. Digo-te, com toda sinceridade, não há coisa no mundo que me preocupe mais, a não ser essa criaturinha. Uma fofinha, uma companheira minha. Mas uma adolescente, um rio, um mar, um oceano em fúria.
    Incontrolável, por vezes.
    Insana, insensata, imatura.
    E eu, que posso fazer? Fico os dias a me perguntar, e a conversar e a dialogar... como vou saber se não darei um telefonema desses a uma amiga a qualquer dia? Torço que não. Mas como vou saber?
    É a tal história: a gente fala, explica, pede, suplica, implica, enraivece... Mas como vamos saber? O futuro a Deus pertence, e o jeito é aceitar a querida Mariazinha, rogando que seja amada, sempre.
    Mas... que não é o ideal, ah, isso não, é, bem o diz você. Há momento para tudo nessa vida.
    E o momento da adolescência, por certo, não é para ter filhos. Imagina! Uma criança cuidando d'outra.

    Beijos, texto lindíssimo, me pegou lá no fundo

    Carla

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  3. Afinal... algo se passou no "reino das três marias".
    A casa não veio totalmente abaixo, tudo talvez se resolveu em bem, com assumir correcto de responsabilidades, com carinho e interajuda, com naturalidade perante a situação tão precocemente adquirida.
    Contra factos não há argumentos. Mesmo com algum sofrimento a Maria está aí.
    Viva a Maria! Com felicidade e carinhos conjuntos.
    Não foi a primeira, nem será a última.
    "Panela que se faz para três, também dá para quatro"

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  4. Guará Matos,
    Nesse sentido Portugal e Brazil creio que são dissemelhantes. A informação existente e, disponível em Portugal é deveras esclarecedora e, previsivel de auxilio. No entanto é a decisão da adolescente que perdura. No meu entender é essa postura e, mentalidade que é necessário mudar.

    Delicado e, ténue dia para si.

    Ana

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  5. Carla Farinazzi,
    A emoção que se alojou no lado esquerdo do seu peito é, semelhante à minha e, o receio similarmente.

    Sabe Carla?! É dever de cada um de nós preencher e, esclarecer dúvidas que se alojam no lado esquerdo do peito das adolescentes. No tocante à gravidez é a adolescente que tem o direito e, dever da decisão.

    Por vezes, ás vezes, revela-se uma decisão insensata e as sequelas muitas vezes são dificeis de colmatar, lamentavelmente.

    Um laço enovelado do entendimento receoso alojado no lado esquerdo do seu e meu peito.

    Ana

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  6. Joe Ant,
    Agradecida pelo carinho e, delicadeza manifesto no seu comentário. No reino das três Marias, tristemente e, lamentavelmente o sol há muito que não brilha. A escassez de harmonia e, sentido de responsabilidade coloram o dia de colorações negras e, nefastas.

    No entanto, acredito que o sorriso e, ternura da Mariazinha conjuntamente com ajuda e, ternura de fieis amigos transformem os dias cinzas e, amargos em dias coloridos e, aprazíveis.

    Um laço e, um sorriso de mim para si.

    Ana

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  7. Lamento ouvir sobre as consequências nefastas
    resultantes de incompreensões não adequadas aos tempos que correm.
    Espero que num futuro próximo tudo possa ser sanado.
    Que o Sol volte a brilhar "no reino das três Marias" e dê muito mais brilho e ternura aos olhos da Mariazinha.

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  8. Joe Ant,
    O seu desejo é o meu.:)

    Um laço enovelado de agradecimento de mim para si.

    Ana

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